segunda-feira, agosto 29, 2011

MADAME BLAVATSKY






A condessa que levitava

Helena Petrovna Blavatsky nasceu condessa, mas conheceu a miséria. Sua vida foi pontilhada de aventuras e acontecimentos fantásticos:
fundou a Sociedade Teosófica, lutou ao lado de Garibaldi, deu três voltas ao mundo e salvou-se inexplicavelmente da explosão de um navio que atravessava o canal de Suez. Gorda, de olhos imensos, Blavatsky possuía uma personalidade tão espiritualizada que, para não levitar, comia constantemente e fumava charutos enormes. Ela foi um dos maiores espíritos do século 19.


"Por llka Arnaud

E ncontrar no coração da Rússia cza­rista, no início do século 19, uma escritora que advogava a emancipação da mulher parece-nos, hoje, coisa quase impossível. No entanto, não era menos do que isso Helena von Hahn, ro­mancista que viveu na primeira metade do século e que, casada com o coronel Pedro von Hahn, viria a ser a mãe de Helena Petrovna Blavatsky - a Esfinge Russa.

A noite de 30 de julho é considerada, na Rússia, a única do ano .em que os espíritos do mal não têm nenhum poder. Exatamente à meia-noite de 30 para 31 de julho, no ano de 1831, enquanto a Europa se consu­mia numa grande epidemia de cólera, em Ekaterinoslav, na Ucrânia, nascia Helena Petrovna, que viria não só continuar como também ultrapassar as idéias liberais de sua mãe.

Tradicionalmente submissa, a mulher russa, sujeita inclusive às proibições de uma Igreja muito rigorosa, não devia, àquele tempo, tomar atitudes que fugissem às convenções. O sufragismo, que só viria a se instalar no século 20, seria considerado o sumo do ri­dículo, no tempo de Helena Petrovna. No entanto, muito mais revolucionária que sufragista, ou religiosa, no sentido comum do termo, a jovem viria a dedicar toda a sua vida à luta contra as instituições mais tradicionalistas do seu tempo.

O poderoso signo de leão – facilmente relacionável a todas as coisas possantes da natureza - encontra um símbolo feliz no fogo: seu elemento - na sua força de cria­ção e, de destruição. Essas duas caracterís­ticas, que já tinham marcado o nascimento de Helena, continuaram a assinalar toda a sua vida, pontilhada de acontecimentos in­comuns e violentos. Já no seu batizado, uma vela, segura por uma criança, incendiou as vestimentas do sacerdote que oficiava a ce­rimônia.

Mais tarde, no regresso de uma de suas viagens ao Oriente, o navio em que viajava, atravessando o recém-construído canal de Suez, explodiu, carbonizando a maior parte dos passageiros. Helena foi uma das poucas pessoas a sair ilesa deste acidente.

"Talvez seja melhor que eu morra; assim, ao menos, não serei testemunha do que ve­nha a acontecer com Helena; estou segura de que sua vida e destino não serão como os das demais mulheres. Ela terá muito que sofrer." Com estas palavras, ditas pouco an­tes de morrer, a mãe de Helena Petrovna definia a sorte de sua filha, então com 11 anos de idade. Órfã de mãe, condessa por nascimento, era natural que o seu destino fosse o casamento.

Tendo recebido uma aprimorada educação - que incluía conhecimentos musicais e lingüísticos - Helena foi levada, com apenas 17 anos, a casar-se com o general Nikifor V. Blavatsky, governador da província russa de Erivan. Homem muito mais velho do que a esposa, supõe-se que o general estivesse por perto dos 70 anos de idade. Ligada por um casamento feito aos moldes tradicionais, em que a vontade da mulher nada contava, e tendo-se em vista sua formação individua­lista e consciente, era natural que Helena abandonasse o marido e o casamento, menos de três meses após a cerimônia, fugindo para o exterior.





A maior viajante do século

Partindo da Rússia, Blavatsky fez sua pri­meira tentativa de visitar o Tibet, sem resultado, acabando por se fixar em Constan­tinopla, de onde saía para percorrer quase todos os países da Ásia Menor, buscando penetrar os costumes e a religião dos povos que conhecia.
Aos 20 anos, só, pobre, separada de sua família e sem condições de regressar à pá­tria, vamos encontrar Helena Blavatsky em Londres, dando lições de piano para sobre­viver. Não era sua primeira visita a Londres, que conhecera quando menina, viajando em companhia do pai. Foi ainda nessa mesma cidade - diz a tradição - que Helena teve, pela primeira vez, a visão real de seu mes­tre, o Mahatma, cuja percepção a acompa­nhava desde a infância.

Helena fora uma criança sonâmbula e que falava durante o sono, dialogando com per­sonagens imaginários. Igualmente, fazia pre­visões relativas ao futuro de membros de sua família, antevendo, por exemplo, a data de sua morte, provocando espanto e susto. As viagens seriam sempre uma constante em sua vida, dedicada à busca de sua ver­dade filosófica e mística. Nessa busca ela percorreu a Ásia, a Europa, as Américas, em várias direções. Diz-se, mesmo, que Helena Blavatsky teria dado a volta ao mun­do por três vezes. Chegou ao Tibete depois de muito esforço, haurindo todos os ensina­mentos que essa terra secreta e selvagem pode dar.


Na Itália, segundo reza a tradição, lutou ao lado de Garibaldi, contra o papado, tendo sido ferida na batalha de Mentana (1867). Atravessou os Estados Unidos em diligên­cia, e esteve em visita às ruínas maias e à civilização inca.

O que teria levado Helena Blavatsky a bus­car uma verdade no Oriente? Apesar de sua relativa proximidade e de ter parte de seu território de raízes orientais, tradicionalmente a Rússia estava mais ligada ao Ocidente, por cultura e religião. Desde o início de sua vida, no entanto, como se fosse o resul­tado de uma predestinação, as andanças e a movimentada biografia de Blavatsky pare­cem sempre indicar que a função principal dessa existência é a de ser portadora de conhecimentos transcendentais, tidos pelo Oriente desde tempos muito antigos, mas que, por um muro criado pela religião ofi­cial, tinham permanecido ignotos nesta me­tade do mundo. Os conhecimentos havidos e transmitidos por Helena Blavatsky provavam o alto grau de cultura e de civilização, e o elevado nível de espiritualidade do povo hindu. Ora, essa prova não interessava a alguns ocidentais, especialmente ao Império Britânico, naquele tempo empenhado numa política colonialista em relação à Índia. De­sagradava aos ingleses o fato de que o mun­do ocidental tomasse conhecimento de que o Império pretendia dominar uma nação que, a rigor, podia ser considerada, pelo menos espiritualmente, mais evoluída do que a própria Inglaterra.

A religião da verdade e da sabedoria

"Fomos deuses e nos esquecemos disso. . ." Helena Blavatsky nunca esqueceu a poética sabedoria deste ensinamento. Em seu livro A Chave da Teosofia, ela explica, pro­curando alcançar toda a possível clareza, que os seres humanos, outrora deuses, eles próprios, têm como uma de suas missões o acordar de sua mônada, a partícula divina existente em todos nós. Os caminhos para isso são vários e pessoais, e todos válidos: a ioga, em suas diversas formas, constitui um deles; o aperfeiçoamento do coração ou da mente (buscando-se o equilíbrio ideal), outro caminho. Mas é importante se assina­lar a diversidade e o caráter de criatividade que cada um desses caminhos tem de adquirir.


"Teosofia" ou "sabedoria divina". A expres­são' foi usada pela primeira vez pelos neo­platônicos do terceiro século, e se referia a uma interpretação de acontecimentos do mundo exterior, como correspondentes de experiências da alma humana. Vê-se aí, claramente, a origem filosófico-platônica do termo e de seu entendimento, em oposição a Aristóteles, sua lógica e seu racionalismo. Mergulhado numa procura da verdade e 40 absoluto, o mundo atual, a partir do pós-­guerra de 1945, tornou-se amplamente irra­cional e místico; os movimentos hippies, beatniks e pacifistas, a pesquisa sobre dro­gas e suas conseqüências adivinhatórias e espirituais, numa busca de encontro do homem consigo mesmo, não são mais do que expressões de um profundo irracionalismo e de um protesto contra a lógica aristotélica num mundo absurdo. Nesse sentido, foi Helena Blavatsky uma incontestável pre­cursora, precedendo de um século todos os citados movimentos, e buscando a verdade dentro do próprio homem, em oposição a todas as religiões ocidentais de até então, que apontavam para um Deus fora do homem. ­

Numa sala às escuras

Em meados de 1873, estava Helena Bla­vatsky em Nova York. A guerra civil norte-americana terminara em 1865, deixando o país convulsionado e um grande número de veteranos desmobilizados e dispersos. Entre estes, o coronel Henry Steele Olcott, participante de maçônicas e centros espíri­tas. O conhecimento de Olcott com Blavatsky foi decisivo para ambos. Juntos, fundaram a Sociedade Teosófica, no ano de 1875, pri­meiro movimento concreto para levar avan­te as idéias espiritualistas de Helena Bla­vatsky.

A fim de atrair adeptos para a nova socie­dade, Blavatsky aquiesceu em tornar mani­festos seus poderes sobrenaturais em várias ocasiões. Em determinada época de sua vida, recebia a visita de curiosos à procura da confirmação dos poderes dessa russa mis­teriosa. Numa dessas oportunidades, um jo­vem professor, enquanto a visitava, come­çou a ouvir batidas pelas paredes e móveis da sala. O rapaz ridicularizou a origem des­sas manifestações, enquanto Helena Bla­vatsky, sentada no outro extremo do apo­sento; apenas observava. Repentinamente, as batidas foram se aproximando do professor, localizaram-se nos seus óculos e se tornaram tão violentas que acabaram por arrancar as lentes, que caíram no chão, deixando-o con­fuso e assustado. Em outra oportunidade, uma dama da sociedade pôs-se a gracejar com Helena, tentando diminuir a sua impor­tância. Repentinamente, a jovem dama em­palideceu e se levantou, cobrindo a boca com uma das mãos. O seu rosto estava mar­cado pelo medo. Depois de alguns minutos de sofrimento acabou por confessar haver sentido movimentos e ruídos que provinham das incrustações de ouro que tinha nos dentes.

No entanto, uma das mais espantosas de­monstrações ocorreu na Union Square ­ Nova York - em março de 1877, na pre­sença de várias pessoas: Helena Blavatsky, dentro de uma sala às escuras, e em menos de meia hora, executou um elaborado de­senho a lápis, cheio de detalhes impressio­nantes e de perfeição quase profissional, apesar de desconhecer quase que totalmente a arte do desenho.


Olhos grandes, gorda e fumadora de charutos

Dizem as tradições que a senhora Blavatsky era uma mulher tão espiritualizada que ­ para não levitar - precisava passar grande parte do tempo comendo e fumando cha­rutos . " Annie Besant, crítica literária da Pall Mall Gazette, de Londres, e amiga pes­soal de Bernard Shaw, quando conheceu Helena Blavatsky, mostrou-se muito impressionada com aquela mulher corpulenta e de olhos enormes. Seus olhos azuis parecem, desde a juventude até a maturidade, imutavelmente, penetrar o mais profundo da na­tureza humana. Aquela jovem, que iniciara seu conhecimento com Blavatsky, criticando a sua obra A Doutrina Secreta, passou, a partir de 1889, a ser uma ardente continua­dora e discípula da teosofia.


Helena Blavatsky foi, predominantemente; uma mulher de ação; enquanto escreveu seus livros aparentemente sem esforço, a energia que despendia na propagação de suas idéias e nas viagens feitas para aprender e ensinar foi enorme.


"Aquele que vive para a humanidade faz muito mais do que aquele que por ela mor­re" - dizia ela. E toda a sua vida foi para pôr em prática este seu princípio. Trabalhou como escritora e como jornalista, colaboran­do em diversas publicações, e fundando re­vistas em Nova York, Londres etc. Por ter, inclusive, colaborado em jornais russos, além de todas as perseguições que sofreu, chegou a ser acusada de fazer espionagem a favor dos soviéticos.


Devido à hostilidade sempre crescente por parte dos "livre-pensadores" do século 19, Helena Blavatsky foi obrigada a sair dos Estados Unidos, levando consigo a idéia da Sociedade Teosófica, primeiramente para a Europa, onde os ataques que recebeu foram ainda mais violentos. Diante disso final­mente, voltou à Índia, estabelecendo defini­tivamente a sede de sua Sociedade em Adyar, perto de Madras.


Seus mestres e sua obra


Em 1851, em Londres, durante a Exposição Internacional, estava Blavatsky passeando, quando viu que se aproximava uma comitiva de orientais que ali fora em visita à corte da rainha Vitória. Entre estes hindus, havia um que sobrepujava os demais em altura e dignidade. Quando o viu, ela sentiu seu co­ração tomado de espanto ao reconhecer nele o estranho protetor das suas visões infantis. Seu primeiro impulso foi lançar-se aos seus pés, mas ele - com gesto principesco ­pediu-lhe que não desse sinal de havê-lo reconhecido. Ela, então, permaneceu imóvel até que ele passasse. Para os não iniciados, esse impressionante oriental seria apenas um príncipe de Rajput; mas, para Blavatsky, ele era o mestre Morya, um dos grandes espíritos e adepto da fraternidade do Trans­Himalaia, cujos membros se dedicam ao ser­viço das necessidades espirituais da huma­nidade.


Mais tarde, escreveria ela em seu diário: "em Londres, encontrei o mestre dos meus sonhos". Poucas informações existem sobre o adepto de Rajput; através dos escritos de Blavatsky, ele ficou conhecido como Ma­hatma Morya, mas também usou o nome de Ahazhulama - ou o mestre azul. Segun­do a tradição, tinha 125 anos quando visitou a Inglaterra.

A existência dos Mahatma foi contestada durante toda a vida de Blavatsky, e o é até hoje. No entanto, ela sempre afirmou essa existência, e a ajuda que Morya e Kut-Humi prestaram na elaboração de suas obras prin­cipais: A Doutrina Secreta e Ísis sem Véu, onde sua filosofia é exposta com maiores detalhes. A própria autora disse, de lsis sem Véu, "ter sido escrito tão facilmente, que não era trabalho, mas um verdadeiro prazer".


Estâncias de Dzyan", o livro maldito

Contam as lendas que o livro no qual estão contidas as Estâncias de Dzyan proveio do planeta Vênus, de onde foi levado para a Índia. Mencionado pela primeira vez no sé­culo 18 pelo francês Bailly, foi outro astrô­nomo francês, Louis Jacolliot, quem lhe deu o nome pelo qual ficou conhecido. Dizia-se que as piores maldições acompanhavam aqueles que tentassem decifrá-lo.

Um adivinho muçulmano falou a Helena Blavatsky sobre as Estâncias, cujo texto, se­gundo ele, estaria num mosteiro do Tibete. A partir daí, tudo é mistério; nunca se soube se ela chegou a ter o livro em suas mãos. Mas a verdade é que o traduziu do original escrito numa língua chamada senzar. Essa tradução, feita do conhecimento direto do próprio livro ou através dos indiscutíveis dons de clarividência de Helena Blavatsky ( tese defendida por Jacques Bergier) , só foi publicada em 1915, nos Estados Unidos, depois da morte, portanto, da tradutora.

Se a vingança dos "desconhecidos" ocorreu ou não, nunca se saberá. No entanto, Bla­vatsky não se deixou intimidar por ela. Seus últimos anos foram terrivelmente abalados, principalmente pelo relatório arrasador da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, da Ingla­terra. Porém, a tradução já estava feita, e mais uma vez ela tinha vencido.


o fim e o principio

A morte de Helena Blavatsky não poderia representar, evidentemente, o fim dos seus ideais. Aos 60 anos, tendo construído uma obra ,literária e filosófica de grande solidez e importância, e. tendo dado, com sua vida, um testemunho de coerência, ela tinha inicia­do a implantação de novas idéias e a sua di­fusão. No entanto, sua saúde, abalada por constantes ataques de seus inimigos, acabou por fraquejar. Assim, no dia 8 de maio de 1891, depois de ter trabalhado até a noite anterior, escrevendo e revendo seus originais, ela morreu tranqüilamente, no dizer de uma testemunha, "como uma sentinela no seu posto". Manteve lucidez de espírito até os últimos momentos e sua morte foi cheia de paz. Ela própria dissera que sua obra era o livro de texto oculto do século 20, e que ficaria, sem modificações, até a chegada do próximo emissário dos mestres, em 1975.
HPB em 1889






O maior sonho de Blavatsky não se reali­zou: a grande fraternidade humana e a re­conciliação de todas as religiões, seitas e nações, sob um sistema de ética comum, basea­do em verdades eternas... Conseguirá o próximo emissário - em vésperas de se manifestar, segundo suas predições - levar a cabo essa missão?

Fonte: Revista Planeta – anos 70





Episódio da infância, do livro de Sinnett:


A idéia fundamental do ocultismo oriental consiste em reconhecer na alma humana uma entidade, um centro de consciência moral e intelectual que não somente sobrevive à morte do corpo físico no qual pôde funcionar em determi­nado momento, como também conheceu outros períodos de existência física e espiritual anteriores à sua encarnação nesse corpo. Além disso, essa entidade - que de acordo com tal concepção é o verdadeiro indivíduo - pode ser acom­panhada, por pessoas possuidoras de qualidades psíquicas de­vidamente desenvolvidas, durante toda uma série de vidas e não apenas durante uma única existência. Essa concepção da Natureza, que é a doutrina esotérica, explica perfeita­mente por que, do ponto de vista de um corpo, nenhuma pessoa encarnada pode conhecer a série de vidas que esse mesmo corpo já viveu. Cada encarnação, cada uma das vidas dessa série, do ponto de vista da entidade espiritual e real, é uma descida na matéria; descida de um novo corpo cuja entidade - que é o verdadeiro Ego no plano espiritual da Natureza - pode usar com mais ou menos sucesso segundo as qualidades desse corpo. O próprio corpo se re­corda, com precisão de detalhes, apenas dos incidentes da sua atual vida objetiva. A verdadeira entidade que então o anima pode ter uma lembrança muito maior, mas que não se exprime pelo próprio corpo. Ademais, até que esse corpo atinja um desenvolvimento completo, isto é, até que a pessoa em questão atinja a idade adulta, a entidade real - ­se posso empregar uma imagem materialista para tornar compreensível uma idéia que só uma linguagem metafísica muito sutil poderia exprimir - mergulha nesse corpo so­mente até certo ponto. Uma criança de tenra idade, como dissemos, não é um ser moralmente responsável, isto é, seu organismo ainda não está suficientemente desenvolvido para que o senso moral da entidade real possa funcionar por intermédio do cérebro físico e dirigir os atos físicos. No entanto, a criança já está destinada a se transformar futu­ramente na moradia da entidade, da alma que começou a funcionar em seu corpo; portanto, se imaginarmos que ela existe no mundo dos homens vivos, sabendo servir-se das forças pertencentes aos planos elevados da Natureza ainda desconhecidos da Ciência física, é fácil compreender as re­lações especiais existentes entre essas forças e uma criança que, à medida em que vai se tornando mais velha, deixa-se penetrar por uma alma com a qual aqueles Adeptos já estão , relacionados.


Seja-me permitido repetir que essa simples exposição da Ciência Oculta no tocante à natureza humana não pre­tende provar que as coisas são realmente assim; essa teoria é apenas a trama sobre a qual são tecidos os aconteci­mentos da vida de Madame Blavatsky. Talvez, no decorrer da narrativa, alguns leitores sejam capazes de explicá-la por outras teorias; mas o que vou dizer poderia parecer desco­nexo e incoerente sem esta explicação que, graças a esse fio condutor, passa a ser inteligível.
Portanto, admito como hipótese que mesmo durante a infância a Senhorita Hahn (Blavatsky) permaneceu sob a proteção dum poder extraordinário capaz de agir até no plano físico em caso de grande necessidade. Assim, por exemplo, muitas vezes, a ouvi referir-se ao apaixonado interesse que alimen­tava desde a infância por um, quadro, o retrato de um dos seus antepassados, conservado no castelo de seu avô, em Saratov, mas oculto por uma cortina. O quadro ficava num aposento de paredes muito altas, e embora ainda fosse muito criança nessa ocasião, ela já se mostrava inteira­mente resolvida a fazer o que bem entendesse. Tinham-na proibido de ver o quadro; por isso, esperou por um mo­mento em que não podia ser surpreendida por ninguém e tratou de executar o projeto à sua moda. Arrastou uma mesa até junto à parede, colocou sobre ela outra mesa menor e sobre esta uma cadeira, e subiu como pôde nesse andaime pouco firme. Trepada naquelas alturas mal chegou a tocar o quadro; apoiando-se com uma das mãos contra a parede poeirenta esforçou-se, com a outra, em correr a cortina que encobria o quadro. Ao contemplá-lo, ficou pro­fundamente impressionada; e o brusco movimento de recuo que teve fez desabar seu frágil andaime. Ela, porém, não sabe exatamente o que aconteceu naquele instante. Perdeu a consciência no momento em que perdeu o equilíbrio e começou a cair; e quando recobrou os sentidos estava esten­dida no assoalho sem ter sofrido o menor arranhão, as mesas e a cadeira tinham voltado a seus lugares, a cortina que cobria o quadro estava corrida como antes, e ela po­deria acreditar num sonho esquisito que tivera, se não fosse a marca de sua mãozinha que ficou na parede poeirenta, ao lado do quadro.


Outra vez, quando já andava pelos quatorze anos, sua vida foi novamente salva em circunstâncias extraordinárias. O cavalo que montava começou a corcovear. Ela perdeu o equilíbrio e caiu da sela, mas ficou com um dos pés preso ao estribo; em sua opinião, antes de conseguir sofrear o animal teria morrido se não tivesse sido sustentada por uma força estranha que sentiu claramente que a envolvia e a mantinha suspensa no ar, contrariando a lei da gravidade. Se essas histórias impressionantes fossem raras na vida de Madame Blavatsky eu jamais as citaria na sua biografia; no entanto, como se verá mais tarde, constituem o assunto de todos os que tiveram alguma coisa a revelar sobre ela. As recordações de seu regresso à Rússia, depois das suas primeiras viagens, recolhidas pelos parentes, estão repletas de provas perante as quais as pequenas aventuras da infân­cia que ela própria narrou parecem insignificantes. Entre­tanto, não me furto a citá-las não tanto por seu próprio valor como, sobretudo, segundo já afirmei, para mostrar as relações que aparentemente existiram desde sua infância entre ela e aqueles aos quais chama de seus "Mestres", invi­síveis aos olhos do corpo e que ela não conhecia em seus corpos físicos quando criança, mas apenas pelas visões que encheram seus primeiros anos de vida.


O leitor certamente se recorda de que pela narrativa anteriormente citada muitas vezes iam encontrá-la sentada a um canto e falando sozinha, desde que não a importu­nassem. Nessas ocasiões, dizia que estava conversando com seus companheiros de folguedos, todos de seu tamanho e aparentemente da mesma idade, tão reais a seus olhos como se fossem de carne e ossos, embora invisíveis para os demais. A Senhorita Hahn ficava irritadíssima pela obstinação da criadagem e da família que se recusavam a prestar a menor atenção a seu amiguinho corcunda. É que ninguém podia fazê-lo, simplesmente porque ele era invisível para todos; mas, para a menina anormal, era um companheiro perfei­tamente visível que ela compreendia, que a distraía e a le­vava a cometer toda a sorte de travessuras. No entanto, nessa estranha duplicidade de vida, e até onde alcançavam suas recordações, via muitas vezes aquele idoso protetor cuja imponente figura dominava desde cedo a sua imagi­nação. O protetor era sempre o mesmo, e seus traços fisionômicos nunca se modificaram; mais tarde, encontrou-o em corpo físico e reconheceu-o tal como se tivesse sido criada na sua presença.


Todos os que se dedicam a estudar o espiritismo, o ocultismo, a clarividência, julgarão a presente narrativa estranhamente confusa à primeira vista. Entretanto, graças à teoria oculta da reencarnação a que me referi linhas atrás, compreender-se-á que os que a aceitam podem ver com cla­reza em meio a toda essa confusão. A Senhorita Hahn for­neceu desde o nascimento e em proporções extraordinárias todas as provas daquilo que no espiritismo é chamado de "mediunidade", a par de raras qualidades de clarividência. Durante a infância, ainda não chegara o momento em que os protetores ocultos da entidade que começava a funcionar em seu organismo podiam iniciar o emprego de um método de treinamento físico adequado para domar, disciplinar e utilizar esses dons naturais. Por isso, durante esse período, deviam permitir que eles fossem exercidos sem qualquer controle. É por isso que, se examinarmos a história da sua infância sob o ponto de vista psicológico, verificaremos que ela foi o centro da maioria dos mais freqüentes fenômenos mediúnicos, e que foi também constantemente observada e muitas vezes guiada pelos poderosos seres a cujo serviço consagrou inteiramente seus poderes a ponto de, mais tarde. reprimir suas faculdades mediúnicas.


Seus amigos sentiam-se ao mesmo tempo interessados e aterrorizados pelas manifestações que compreendiam o suficiente para observar. Sua tia revela que desde os quatro anos "Ela era sonâmbula e falava dormindo. Durante o sono conversava animadamente com personagens invisíveis; o espetáculo era divertido, edificante ou aterrorizante para os que se reuniam em torno do seu berço. Muitas vezes, enquanto parecia dormir placidamente, respondia às perguntas apresentadas pelos que lhe seguravam a mão, sobre objetos perdidos ou outros problemas, como se fosse uma vidente em transe. Desaparecia freqüentemente do quarto das crianças para ser depois encontrada num aposento isolado da casa ou no jardim, brincando e conversando com seus compa­nheiros de sonho. Durante anos, num impulso infantil, dei­xava chocadas as pessoas estranhas que encontrava ou os visitantes que vinham a nossa casa, encarando-os de frente para declarar que morreriam em determinado dia; ou então predizia um acidente ou uma desgraça que os aguardava. E como suas predições se realizavam com muita freqüência, ela se tornou, a esse respeito, o terror da família."
***
Uma crítica ao espiritismo da época (século XIX):
"Os poetas falam da frágil divisão que separa este mundo do outro. São uns cegos: não existe absolutamente divisão de espécie alguma, exceto a dife­rença de estado entre os vivos e os mortos, e a gros­seria dos sentidos físicos da maioria da humanidade. No entanto, os sentidos nos salvam. Eles nos foram dados por uma mãe e uma ama prudente e sagaz -­a Natureza; porque, de outra forma, a individualidade e até mesmo a personalidade tornar-se-iam impossíveis; os mortos ficariam sempre misturados aos vivos, e estes acabariam por assimilá-los. Se não existisse em torno de nós senão uma espécie de “espírito” (e poder-se-ia chamar igualmente de “espírito” à borra do vinho), o resíduo dos mortais que faleceram e se foram, ainda seria possível habituar-se a isso. Não podemos evitar de assimilar nossos mortos de uma forma ou de outra e, pouco a pouco, inconscientemente da nossa parte, tornamo-nos eles, mesmo fisicamente, sobretudo no Ocidente ignorante que desconhece a cremação. Nós respiramos e devoramos os mortos, homens e animais, todas as vezes em que aspiramos o ar, o sopro hu­mano que sai de nós alimenta no ar as criaturas sem formas que um dia serão homens. Quanto ao processo físico, sob o ponto de vista mental, intelectual, e também espiritual, é completamente idêntico; trocamos gradualmente nossas moléculas mentais, nossas auras intelectuais e até espirituais e, portanto, nossos pensamentos, nossos desejos e nossas aspirações, com aqueles que nos precederam. Isso ocorre com toda a humani­dade em geral. É uma coisa natural, segundo a economia e as leis da Natureza, e assim o filho pode transformar-se gradativa e simultaneamente no próprio avô ou na própria tia ao impregnar-se dos seus átomos combinados, o que pode explicar, em parte, as seme­lhanças ou o atavismo. Mas existe uma outra lei, uma lei de exceção, que se manifesta na humanidade por fatos isolados, e periódicos: a lei da assimilação for­çada post-mortem. Durante essa epidemia os mortos vêm das respectivas esferas invadir o domínio dos vivos; mas, felizmente, vêm somente para as regiões onde foram enterrados. Neste caso, a duração e intensidade da epidemia dependem do acolhimento que recebem; encontram pela frente largas portas abertas ou fechadas; e a peste necromântica pode ser agra­vada pela atração magnética, pelo desejo dos médiuns, dos sensitivos e até dos curiosos; ou então, se o pe­rigo for assinalado, a epidemia pode ser sabiamente conjurada.

Esse flagelo periódico acaba de abater-se sobre os Estados Unidos. Tudo começou com crianças inocentes, as pequenas Misses Fox, que brincavam inconsciente­mente com essa terrível arma. E uma vez que a recebiam e a convidavam apaixonadamente a “entrar”, toda a multidão de mortos parece ter-se precipitado e apoderado dos vivos com mais ou menos força. Fui observar propositadamente uma família de grandes médiuns, os Eddy, e examinei-os por mais de quinze dias realizando experiências que, como é natural, guardei para mim, mesma. . . Você deve lembrar-se, Vera, que fiz algumas experiências para vocês em Rougodevo, quando muitas vezes via os fantasmas dos antigos habitantes da casa e descrevia-os para você, porque você jamais poderia vê-los... Pois bem, em Vermont, era a mesma coisa, noite e dia. Eu via e examinava aquelas criaturas sem alma, sombra de seus corpos terrestres, fora dos quais quase sempre alma e espírito tinham fugido há muito, mas que se esfor­çavam para conservar suas formas semi-materiais à custa das centenas de visitantes e de médiuns que se revezavam a todo instante. E notei, graças aos con­selhos e à direção de meu Mestre, que: 1.°) – as aparições reais eram produzidas pelos “fantasmas" dos que tinham vivido e morrido em determinadas regiões daquelas montanhas; 2.°) - os que tinham morrido longe dali eram menos perfeitos, eram um misto da sombra verdadeira e do que restava na aura pessoal do visitante que tinha inspirado seu desejo de compa­decer; e 3.°) - as aparições puramente fictícias, que chamo de reflexo dos verdadeiros fantasmas ou som­bras da pessoa falecida. Para explicar-me mais clara­mente, não eram os cascarões que assimilavam o médium, mas o médium, W. Eddy, que assimilava inconscientemente em si próprio a imagem de parentes e amigos mortos formada na aura das pessoas presentes. . . "



A VIDA DE HELENA BLAVATSKY – A.P. SINNETT
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário